Perguntas frequentes sobre a Metodologia de Atendimento Sistêmico ¹
Maria José Esteves de Vasconcellos ²
Em sucessivas ocasiões quando apresento a Metodologia de Atendimento Sistêmico, em especial quando realizo, com a Equipe MAS – Equipe da Metodologia de Atendimento Sistêmico, workshops teórico-vivenciais sobre a mesma, têm sido frequentes algumas perguntas, às quais procuro responder aqui, suscintamente.
A Metodologia de Atendimento Sistêmico é uma metodologia para trabalho com famílias?
De fato, trata-se de uma metodologia sistêmica novo-paradigmática para solução de situação-problema, em qualquer contexto em que a situação seja distinguida. Inicialmente foi aplicada em contextos de trabalhos voltados para famílias e redes sociais, por exemplo, a questão da inclusão de pessoas com deficiência na família e na comunidade. Então, a Metodologia foi chamada de Metodologia de Atendimento Sistêmico de Famílias e Redes Sociais. Porém, desde o início, o objetivo foi o encaminhamento de solução para uma situação considerada, pelos próprios envolvidos nela, como problemática.
A intervenção ou aplicação da Metodologia envolve as pessoas que estejam interessadas, ou seja, participando ativamente de conversações sobre a situação e buscando sua solução.
Como uma situação-problema não envolve necessariamente famílias – por exemplo, quando se trata de uma situação-problema identificada em um contexto empresarial – a Metodologia passou a ser chamada simplesmente de Metodologia de Atendimento Sistêmico.
Por que se diz que se trata de uma Metodologia para atender “sistemas amplos”?
Historicamente, a(s) teoria(s) sistêmica(s) começaram a ser usadas, no contexto clínico, para embasar terapias em que se atendia a família em conjunto, sendo definida a família como um sistema.
Posteriormente, se percebeu que essa(s) teoria(s) poderiam também embasar práticas desenvolvidas com outros sistemas – tais como, por exemplo, comunidades e redes sociais – que então começaram a ser chamados de “sistemas mais amplos do que a família”.
Mas, nos dois casos – família ou sistema mais amplo do que a família – o sistema era definido de modo reificado e, consequentemente, havia sempre uma preocupação com a definição de suas fronteiras, ou seja, com o tamanho do sistema a ser atendido.
Hoje, na nossa concepção, não se trata de abordar um sistema reificado, mas sim de realizar Encontros Conversacionais com o sistema linguístico (pessoas se relacionando, ou seja, conversando) que se constitui com todos os envolvidos com a situação-problema.
Sendo convidados todos os possíveis interessados na solução da situação-problema, costuma-se contar com números grandes de participantes no Encontro Conversacional, podendo chegar a 60-70 pessoas, o que também corresponde ao uso do termo “sistemas amplos”.
Para coordenar esses Encontros Conversacionais, de forma adequada e satisfatória para todos, a Equipe Sistêmica se baseia na “Teoria do Processo da Rede” e dispõe de diversos recursos instrumentais para criar um contexto seguro, colaborativo e de autonomia para os participantes. Para que seja possível a efetiva participação de todos os componentes do sistema, cada Encontro Conversacional, dura geralmente cerca de 3 horas.
Quem participa desses Encontros Conversacionais?
Participam todos que, ao serem convidados para virem conversar sobre uma determinada situação, que está sendo definida como problemática, aceitam o convite e, ao aceitá-lo, se autodefinem como envolvidos com aquela situação-problema e interessados em participar / colaborar no encaminhamento de sua solução.
Por exemplo, dependendo da situação-problema, serão convidadas não só as famílias – com suas crianças e demais componentes das suas respectivas redes sociais (vizinhos, amigos, famílias de origem) – assim como a rede de instituições da comunidade possivelmente interessadas – ou institucionalmente responsáveis – pela solução daquela situação-problema (escolas, centros de saúde, associações de bairro, igrejas, delegacias etc).
Assim, se constitui um sistema linguístico ou uma rede de conversações em torno de uma “situação-problema nossa”. Os sistemas costumam se constituir com grandes números de participantes e, quanto maior o número de participantes, mais recursos poderão ser trazidos para a conversação e para o encaminhamento de solução para a situação-problema.
Importante ressaltar que na aplicação da Metodologia de Atendimento Sistêmico, a Equipe Sistêmica atua no sentido de que as relações sejam horizontalizadas no sistema. Assim, distribui as oportunidades de participação igualmente com todos os presentes, sejam autoridades socialmente constituídas ou usuários de serviços públicos, sejam dirigentes da instituição ou seus funcionários, sejam adultos ou crianças.
Crianças participam junto com os adultos?
Todos participam em igualdade de condições, todos têm igual direito a voz, uma vez que todos podem ter algo a dizer sobre a situação-problema.
O sistema não se constitui em torno de uma pessoa (que em outras abordagens seria definida como o Paciente Identificado ou PI), nem de um grupo de pessoas (por exemplo, de uma ou mais crianças indisciplinadas na escola).
O sistema se constitui em torno da situação-problema, cuidadosamente redefinida na forma de uma situação-problema solucionável. Por exemplo, em vez de convidar para conversar sobre a indisciplina, as pessoas seriam convidadas a conversar sobre a melhoria da disciplina na escola e, portanto, todos os envolvidos (educadores, pessoal administrativo, famílias e, inclusive, as próprias crianças) poderão ter algo a dizer, contribuindo para o encaminhamento de solução para a “situação-problema nossa”.
Não existe preocupação em preservar a intimidade das pessoas, em grupos tão grandes e heterogêneos?
Tratando-se de um grupo que se constitui a partir da aceitação espontânea de um convite – jamais a partir de convocação ou de qualquer outro tipo de participação imposta – presume-se um genuíno interesse dos que comparecem aos Encontros Conversacionais, ficando cada um à vontade para falar, ou não, de questões que julgue muito pessoais ou íntimas.
Além disso, como o sistema não se constitui em torno do problema de uma pessoa, o foco estará na solução de uma “situação-problema nossa” e o coordenador tratará de manter o foco nas questões relacionais e não em conteúdos específicos ou questões de indivíduos.
E ainda, no início de cada Encontro Conversacional, o coordenador se encarregará do que temos chamado de “criar um contexto de segurança”. Isso significa que ele convidará os participantes a um pacto, não só de respeito pelas colocações de qualquer um dos presentes, como também, de que nada do que for dito no Encontro Conversacional virá a ser usado em detrimento dos interesses de quem quer que seja.
Qual o papel do coordenador dos Encontros Conversacionais?
Em geral, a prática sistêmica novo-paradigmática de aplicação da Metodologia de Atendimento Sistêmico é feita por uma Equipe Sistêmica, geralmente constituída de 3 profissionais, Especialistas em Atendimento Sistêmico, que distribuem entre si as funções de coordenador, cocoordenador e observador.
Então, o coordenador é um profissional que, ao assumir o pensamento sistêmico novo-paradigmático, assume, consequentemente, que deixará de ser um “especialista em solução de problemas”. Acreditando genuinamente que quem sabe de sua experiência com a situação-problema são única e exclusivamente aqueles que estão envolvidos nela, o coordenador assumirá uma postura chamada de “posição de não-saber”. “Não sabendo” sobre a experiência do outro, não aconselhará, nem proporá soluções, nem prescreverá.
Na aplicação da Metodologia – que é uma metodologia para solução de situação-problema – atuará como “especialista em criação e manutenção de contexto de autonomia”. Nesse contexto, se tornará possível aos participantes do “sistema determinado pela situação-problema – SDP” assumirem que podem eles próprios tomar iniciativas e construírem conjuntamente os encaminhamentos para a situação, sem ficarem na dependência dos encaminhamentos das “autoridades institucionalmente responsáveis” pelas providências referentes àquela situação.
Portanto, esse coordenador não se envolve com os conteúdos das conversações, mas estará todo o tempo atento à qualidade dessas conversações e intervirá para que sejam conversações transformadoras das relações e para que possam emergir relações de fato colaborativas. Com esse objetivo, dentre outros recursos, faz amplo uso de perguntas reflexivas que podem flexibilizar premissas de participantes que se coloquem em posições antagônicas em relação ao que deve ser feito na situação.
Os resultados desejados são atingidos?
Tratando-se de uma Metodologia que tem – em todas as suas etapas – a coconstrução como seu processo básico, não podem existir resultados ou metas pré-determinadas. Existe um desejo compartilhado por todos de encaminhar solução para uma situação que está sendo vivenciada como uma “situação-problema nossa”. Isso acarreta o empenho de todos e gera um contexto colaborativo e de autonomia, em que cada um contribuirá com os recursos de que dispuser no momento. E a solução coconstruída tenderá a ser a que for possível com os recursos disponíveis no sistema, naquele momento. E haverá sempre a possibilidade de a situação voltar a ser objeto de conversações por aquele ou por outro sistema que venha a se constituir, podendo vir a ter outros encaminhamentos.
LEITURAS SUGERIDAS:
Aun, Juliana Gontijo; Esteves de Vasconcellos, Maria José; Coelho, Sônia Vieira. Atendimento Sistêmico de Famílias e Redes Sociais. Vol. I. Fundamentos teóricos e epistemológicos, 2005. Vol. II. O processo de atendimento, 2007. Vol. III. Desenvolvendo práticas com a Metodologia de Atendimento Sistêmico, 2010. Belo Horizonte: Ophicina de Arte & Prosa.
Esteves de Vasconcellos, Maria José. Desenvolvendo práticas colaborativas, no contexto das políticas públicas, com a aplicação da Metodologia de Atendimento Sistêmico. Nova Perspectiva Sistêmica, Instituto NOOS, Ano XIII, n. 51, abril 2015. Disponível para download.
Esteves de Vasconcellos, Maria José. Solucionando situação-problema. Construindo a solução da situação-problema, em contexto colaborativo, de autonomia, por meio da Metodologia de Atendimento Sistêmico. Disponível para download.
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¹ Uma forma preliminar desse texto foi disponibilizada em site anterior já desativado e foi atualizada para publicação no site mariajoseesteves.com.br, em 2019.
² Consultora, Professora e Palestrante: Pensamento Sistêmico Novo-Paradigmático e Metodologia de Atendimento Sistêmico. Autora de: Pensamento Sistêmico. O novo paradigma da ciência, 2002, 11ª edição 2018; Systems Thinking. The new paradigma of science, 2020; Terapia Familiar Sistêmica. Bases cibernéticas, 1995. Cocriadora da Metodologia de Atendimento Sistêmico para solução de situação-problema e coautora da obra Atendimento Sistêmico de Famílias e Redes Sociais: Vol I, 2005, Vol II, 2007, Vol III, 2010. Coautora de: Curso de Engenharia de Energia. Uma iniciativa audaciosa de ensino, 2018. Artigos publicados em coletâneas e em periódicos nacionais e internacionais. Cocriadora e Coordenadora de Cursos de Pós-Graduação em Metodologia de Atendimento Sistêmico. Professora convidada em Pós-graduações nas áreas de Direito, Administração, Terapia Familiar. Terapeuta de Família e Casal. Sócia fundadora da EquipSIS – Equipe Sistêmica, Belo Horizonte (1993-2010).