Mediação Sistêmica: Alternativa às Formas Alternativas de Solução de Conflitos ¹
Mateus Esteves-Vasconcellos ²
1 INTRODUÇÃO
De uma forma geral, e notadamente nos contextos jurídicos, costuma-se falar da mediação de conflitos como mais uma das formas alternativas de solução de conflitos (Alternative Dispute Resolution – ADR`s), tratando-a juntamente com a arbitragem e em oposição à solução do conflito pelo Judiciário (Baptista 1988; Fiuza 1996). Normalmente não há preocupação em se estabelecer as diferenças entre cada uma das modalidades alternativas de solução de conflitos.
Na maior parte das vezes, as formas alternativas de solução de conflitos são consideradas como possíveis “soluções” para os problemas enfrentados pelo Poder Judiciário no provimento da prestação jurisdicional, e a mediação é tratada como parte de um conjunto capaz de minorar tais problemas.
Neste sentido, Baptista (1988 p. 137) inicia assim seu ensaio sobre as formas alternativas de solução de disputas: “A crise do judiciário tem várias causas, todas elas de importância variável segundo o lugar e o tempo. Excesso de demandas e falta de juízes, insuficiência de funcionários e recursos, treinamento falho, inadequação da legislação processual, demasiados advogados, têm sido apontadas como algumas dessas causas”.
De fato, a mediação – e também a arbitragem – aparecem nos contextos jurídicos como alternativas à solução dos problemas do Poder Judiciário, assim como outras ações tais como a informatização, a reforma das normas processuais ou mudanças na organização dos órgãos desse Poder.
Assim, costuma-se distinguir o acesso ao judiciário do acesso à justiça. A mediação e todas as demais formas alternativas de solução de conflitos (ADR`s) seriam formas alternativas ao judiciário para se promover o acesso à justiça. Entretanto, podemos dizer que a mediação é uma forma de se fazer justiça? O processo de mediação é conduzido segundo a lógica da justiça?
Nos contextos jurídicos, a mediação, muitas vezes, não é especificada como um conjunto estruturado de técnicas, com fundamentação teórica particular e calcada em uma epistemologia que concebe de forma própria o que seja o “conflito” e o que seja uma “solução” para o conflito. Nesses contextos, a mediação é apresentada como um recurso a ser utilizado pelo juiz ou tratada como a consecução da obrigação processual que tem o juiz de tentar a conciliação das partes. Entretanto, a simples tentativa do juiz em conciliar as partes não pressupõe a aplicação das técnicas da mediação. Além disso, tal aplicação parece enfrentar dificuldades – inclusive de ordem epistemológica – quando se imagina que venha a ocorrer nos tribunais. Parece que os juristas e os juizes ou bem não conhecem a mediação ou, quando a conhecem, não estão dispostos a encará-la com legitimidade: “(…) o Judiciário é ainda a melhor e mais nobre das maneiras descobertas pela sociedade para manter a paz social” (Baptista 1988, p. 139).
A mediação é inclusive tratada, por vezes, como uma técnica auxiliar à solução judicial de litígios, que deve ser aplicada pelos juízes, e que corresponde à “manifestação do direito na sua forma mais justa (…partindo) o mediador da legislação vigente para a construção de três quadros: um quadro fático, um legal e um jurídico” (Serpa 1993, p. 31).
Entretanto, analisam-se as formas alternativas de solução de conflitos com base em critérios oriundos do tratamento judicial de uma questão: “(…) os métodos de solução de disputas não litigiosos têm a grande desvantagem de não serem coercitivos, enquanto o procedimento judicial é coercitivo” (Baptista 1988, p. 143).
Então, a mediação é vista como uma alternativa aos problemas do Judiciário, ou seja, como algo que deve ser introduzido para que as disputas possam continuar a ser resolvidas de forma eficaz pelo Judiciário ou com efeito idêntico ao que se teria no Judiciário. Assim, a mediação é tratada como uma mudança que deve ser introduzida para que, substancialmente, as disputas continuem a ser resolvidas da maneira tradicional. Obviamente, estou falando aqui de uma visão sobre a mediação que não a reconhece como uma verdadeira alternativa aos tribunais.
Em que medida a mediação constitui uma alternativa à solução de conflitos pela via judicial ou pela via arbitral? É possível distinguir a mediação da arbitragem e de outras ADR`s, sob um ponto de vista epistemológico? Ou seja, a mediação se distingue quanto aos valores e crenças fundamentais que a orientam? É a mediação apenas uma forma diferente de se solucionar um conflito, ou se trata de uma forma que traz repercussões para o funcionamento dos sistemas sociais onde ela é aplicada, podendo, por exemplo, prevenir conflitos?
Guiado por esses questionamentos, busquei as diferenças fundamentais entre a mediação – entendida como um processo estruturado – e outras formas de solução de conflitos: o judiciário, a conciliação e a arbitragem. Objetivei estabelecer um quadro comparativo entre tais formas de solução de conflitos, bem como distinguir os diferentes processos ou modelos que são indistintamente rotulados de mediação.
2 DIVERSAS FORMAS DE LIDAR COM OS CONFLITOS
Serpa (1999 p. 53) apresenta-nos “quatro maneiras básicas e tradicionais de resolução de conflitos interpessoais ou intergrupais (…), desistência do conflito, negociação, representação e o julgamento”. Uma vez que nem todas essas formas implicam na solução do conflito, prefiro entender que a autora nos traz algumas formas de lidar com os conflitos. Às formas de lidar com o conflito trazidas por ela, acrescento: competição e negociações assistidas.
2.1 Competição
Entendo que a competição é uma forma de tratar um conflito na medida em que as partes se engajam em uma disputa e vivenciam toda a potencialidade adversarial da situação conflituosa. A competição é a própria evolução do conflito, com a luta aberta entre os envolvidos, que se identificam como adversários. Obviamente, a competição não é uma forma de se buscar a solução do conflito. Os envolvidos em uma competição não pretendem colocar fim a ela, senão pela vitória sobre a outra parte, o que pode significar inclusive a destruição do adversário.
É necessário reconhecer que a competição entre as partes envolvidas em um conflito pode ser distinguida por um observador como um sistema social, ou seja, como um sistema autônomo (Esteves-Vasconcellos 2013). A cada ação de uma das partes, corresponde uma reação da outra parte no sentido de se aprofundar o conflito. As partes se envolvem em uma escalada simétrica, onde cada uma pretende suplantar ou, pelo menos, equiparar à ação do outro, invariavelmente tomada como uma agressão ou provocação.
No sistema onde a competição é a relação básica entre as pessoas, qualquer conteúdo que se comunique entre elas é qualificado pela disputa. É a existência de um sistema autônomo de competição o que pode obstruir ou impedir a comunicação entre as partes, fazendo necessária a intervenção de um terceiro.
2.2 Desistência do Conflito
Desistir do conflito, ou simplesmente tentar evitá-lo, é uma forma de lidar com um conflito que pode ser adotada por qualquer pessoa que se sinta envolvida. Não se trata, entretanto, de uma forma de solução do conflito. Ao contrário, trata-se da negação do conflito.
Uma vez que entendo o conflito como algo que acontece na relação – e não propriamente às partes – não me interesso pela desistência do conflito nesse estudo. Acredito que desistir ou evitar o conflito é uma atitude que concorre para a perpetuação do conflito e, diferentemente de Serpa (1999), acredito que essa atitude implica em insegurança, tensão e falta de “controle” dos envolvidos sobre a relação conflituosa, uma vez que não se oportuniza a conversa sobre a relação ou sobre o conflito.
2.3 Negociação Direta
A negociação direta entre os envolvidos é uma forma de solução do conflito. Entretanto, somente é possível a negociação direta quando o conflito não comprometeu – ou não comprometeu ainda – a relação entre as pessoas, de forma a bloquear ou impedir a conversa entre elas. Assim, a negociação direta é eficaz em um número limitado de conflitos. Acredito que a negociação seja mais eficaz em situações onde os envolvidos não têm uma história de relação anterior, ou em que a relação entre eles seja marcada pelo respeito e legitimação às diferenças, o que infelizmente não costuma ser a forma comum de encararmos nossas diferenças.
Na negociação direta existe uma conversa livre entre as partes, sem o recurso a nenhum procedimento especial pelos envolvidos. Por essa razão, a negociação direta é uma forma de solucionar conflitos, mas não é uma forma estruturada de fazê-lo. Assim, dado que a negociação direta não é uma técnica para a solução de conflitos, mas a negação da necessidade de tais técnicas, também não a abordo neste estudo.
2.4 Representação
Serpa (1999, p. 55) apresenta-nos também a representação – que “é nada mais do que a delegação de poder para promover a negociação”. A autora enfatiza que, na representação, a parte perde o controle sobre as decisões, uma vez que a negociação com representante é um processo dinâmico.
Entendo a representação como um ato prévio a uma forma de solução de conflitos. Acredito que tal recurso tem aplicação limitada, aplicando-se principalmente a conflitos intergrupais.
Na representação, uma pessoa envolvida no conflito decide que outra pessoa irá tentar solucionar o conflito em seu lugar. Dessa forma, a representação não é aplicável somente na negociação, mas também em outras formas de solução de conflitos, como a arbitragem, o Judiciário – através de um advogado – e a própria mediação. Sendo a representação um ato prévio a uma forma de solução de conflitos, também não a abordo aqui.
2.5 Julgamento
O julgamento é uma tradicional forma de lidar com os conflitos. Trata-se da intervenção de um terceiro imparcial ou “neutro” que decide qual solução deve ser dada ao conflito entre as partes. O julgamento pode basear-se em um sistema de normas – onde a decisão do julgador consistirá na interpretação das normas e em sua aplicação ao conflito – ou estará baseada em outros critérios – por exemplo, um critério de merecimento.
De uma maneira geral, as formas alternativas de solução de conflitos (ADR`s) são entendidas como alternativas porque contrapostas ao Judiciário. A literatura faz esse contraponto entre o Judiciário e outras formas de solução de conflitos, tendo como referencial questões emergentes da própria prática judicial na solução dos conflitos.
É meu propósito nesse estudo abordar a mediação como forma alternativa de solução de conflitos, a partir de outro referencial – o da ciência contemporânea. Desse modo, entendo que, sob a forma de solução de conflitos chamada por Serpa de “julgamento”, podemos destacar duas espécies principais: o Judiciário – parâmetro de comparação da literatura para a abordagem das ADR`s – e a arbitragem – considerada como uma das ADR`s.
O julgamento é não apenas uma forma de lidar com os conflitos, mas também uma forma de soluciona-los, seja como uma forma estruturada – judicial ou arbitral – ou não. Contraponho essas duas formas estruturadas de solução de conflitos que se baseiam no julgamento (Judiciário e arbitragem) às formas estruturadas que se baseiam na presença de um terceiro não julgador, mas que assiste, de alguma forma, a negociação das partes.
Dentre as formas de lidar com o conflito, então, podemos primeiramente distinguir os procedimentos que se caracterizam como formas de solucionar os conflitos daqueles procedimentos que não visam propriamente solucionar o conflito. Dentre as formas de solucionar o conflito, por sua vez, podemos distinguir dois grupos de procedimentos: os que implicam julgamento e os procedimentos de negociação assistida.
2.6 Negociações Assistidas
Singer (1996, p. 32) chama de “negociación con hombre bueno” às formas de solução de conflitos contrapostas tanto à negociação direta, ou “negociação sin hombre bueno”, quanto às formas que implicam em uma sentença.
Entendo por negociações assistidas aquelas formas de lidar com o conflito que buscam solucioná-lo com a participação de um terceiro que não julga. Da mesma forma como o julgamento, as negociações assistidas podem dar-se como formas estruturadas ou não.
3 DIVERSAS FORMAS ESTRUTURADAS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS
Dentre as formas estruturadas de solução de conflitos destaco a conciliação e a mediação – como espécies de negociação assistida – e o Judiciário e a arbitragem – como espécies de julgamento.
Antes de tratar de cada uma das formas de solução de conflitos, é importante justificar o destaque que dou a essas espécies. Uma vez que pretendo focar as formas de solução de conflitos a partir de sua fundamentação científica, destaco aquelas formas que percebo como sendo fundamentadas por uma teoria – científica ou filosófica. Assim, não tratarei de formas que sejam fruto de mera técnica ou experimentação, como aquelas formas que Serpa (1999) chama de “híbridas”: minitrail, fact finding, ombudsman, rent a judge, summary jury trial. Aliás, a maior parte dessas formas não tem presença entre nós, sendo típicas do contexto norte-americano.
3.1 Conciliação
Antes de falar da conciliação como forma de solução de conflitos do tipo negociação assistida, devo dizer que pretendo abordar a conciliação tal como ela existe hoje em nosso meio, ou seja, como uma forma de solução de conflitos utilizada nos Juizados Especiais. Por isso, ao falar da conciliação, estarei me baseando principalmente no trabalho dos conciliadores que atuam nesses juizados e em sua formação específica – conforme o texto Capacitação de Conciliadores (TJDFT 2002).
Acredito que, em nosso contexto, o objetivo central da conciliação seja o de se evitar o desenvolvimento de um litígio judicial. A conciliação como prática estruturada de solução de conflitos surge da Lei (Lei no 9.099/95). Outros diplomas legais já se referiram a essa função do juiz, a de tentar conciliar as partes ou tentar a “composição do litígio”. Entretanto, é a Lei dos Juizados Especiais que dá ensejo à estruturação da conciliação: essa lei cria entre nós a figura do conciliador.
Sendo prevista legalmente como uma etapa do próprio processo judicial, o tratamento dado à conciliação segue padrões processualísticos. A conciliação é uma forma preliminar pela qual o poder Judiciário irá tentar a solução de um litígio a ele encaminhado ou, em outras palavras, é “ato processual conciliatório” (TJDFT 2002, p. 29).
A conciliação é tratada em termos de “competência” e essa competência é atribuída ao próprio poder Judiciário: “Art. 3o. O Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento das causas (…)” (Lei no 9.099/95). Nesse sentido, a conciliação não se apresenta como uma forma alternativa ao Judiciário, mas é um procedimento para a solução de um litígio pelo próprio Judiciário, ainda que não pela via da lide.
Implicação disso é o fato de que a conciliação é proposta às partes quando seu conflito foi levado ao Poder Judiciário, a um juiz, e não a um conciliador. Isso significa que a conciliação é proposta depois que o conflito já foi “jurisdicizado”, tratado sob os referenciais próprios da forma judiciária de solucionar conflitos, ou seja, depois de se identificar um autor, um pedido, um réu e um juízo competente para julgar – com o objetivo de tentar conciliar as partes.
A própria Lei no 9.099/95 deixa claro que a conciliação é um procedimento que visa alcançar alguns objetivos pretendidos pelo legislador, que se enumeram como critérios ou princípios em seu art. 2o: “O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.”
Acredito que a conciliação é proposta e praticada entre nós como uma tentativa de se minimizarem alguns dos problemas e deficiências atribuídas ao Poder Judiciário. Assim, a conciliação apareceria como uma forma de o Judiciário continuar a cumprir sua função de solucionar conflitos – e fazer justiça – mas superando ou minimizando a morosidade e formalidade excessivas de que é acusado. É por isso que eu considero que o objetivo central da conciliação – tal como proposta e praticada entre nós – é o de se evitar o desenvolvimento do processo judicial ou, em outras palavras, o objetivo da conciliação é abreviar o procedimento judicial.
Não diria que a conciliação seja uma forma voluntária de solução de conflitos. Ao contrário, a conciliação é uma exigência legal, chamada de “mediação mandatória”! (TJDFT 2002, p. 12). É claro que as partes têm a opção de não levarem adiante a conciliação, boicotando o processo não litigioso de solução de seu conflito. Entretanto, independentemente da vontade das partes, deverá haver, como imposição legal, audiência de conciliação com a presença pessoal das partes (art. 9o).
Não se pode garantir que a parte autora tenha optado pela “autocomposição” como forma de solução de seu litígio, uma vez que ela se dirige ao Judiciário com um pedido de condenação da parte ré. Esta, por sua vez, se vê obrigada a comparecer em juízo para a conciliação, uma vez que é citada para compor a relação processual, sob pena de revelia: “Art. 20. Não comparecendo o demandado à sessão de conciliação ou à audiência de instrução e julgamento, reputar-se-ão verdadeiros os fatos alegados no pedido inicial, salvo se o contrário resultar da convicção do Juiz.” (Lei 9099/95).
Acredito que a Lei, de certa forma, se impõe para que o conflito seja submetido à conciliação e para que as partes cooperem. Posso imaginar que tenha grande influência sobre as partes – podendo inclusive intimidá-las – o cumprimento, pela “autoridade judicial”, do art. 21 da Lei no 9.99/95: “Art. 21. Aberta a sessão, o Juiz togado ou leigo esclarecerá as partes presentes sobre as vantagens da conciliação, mostrando-lhes os riscos e as consequências do litígio”. No mesmo sentido, o cumprimento, pelo conciliador, do que lhe foi sugerido em sua capacitação: “Devem as partes ser esclarecidas que a finalidade da justiça é a pacificação social e que, caso não haja acordo, no final, o caso será decidido de acordo com o Direito e a lei” (TJDFT 2002, p. 18).
Assim, a conciliação praticada entre nós não valoriza plenamente o princípio da autonomia da vontade das partes, que é o princípio fundamental na mediação. Isso não impede, entretanto, que o processo possa promover a autocomposição.
A conciliação deveria reservar às partes a autoria do acordo ou seja, “as partes devem alcançar um acordo voluntário, sem imposição ou coerção de qualquer espécie” (TJDFT 2002, p. 14).
Entretanto, percebe-se que o conciliador pode assumir um papel de fiscal do acordo alcançado pelas partes ou de tutor das partes limitando sua criatividade na exploração de alternativas ou sutilmente sugerindo alternativas e opinando sobre o conteúdo do acordo. O texto “Capacitação de Conciliadores” do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios traz explicitamente: “Cabe ao mediador [que é tomado como sinônimo de conciliador nessa publicação] alertar as partes quanto às decisões por elas tomadas que não alcancem o objetivo de pacificação (…)” (TJDFT 2002, p. 13).
O conciliador, de fato, permite a autocomposição, mas fiscaliza, desde um ponto de vista externo, a “adequação” do acordo. O foco do conciliador não está na relação entre as partes, mas no acordo. A condução do processo de conciliação significa levar as partes a um acordo elaborado por elas, mas segundo os parâmetros trazidos pelo conciliador. É por isso que eu considero que a conciliação promove uma “autocomposição vigiada”: “(…) a função [do conciliador] é a de restabelecer a comunicação entre as partes, apenas conduzindo as negociações, ou seja, instruindo as partes quanto à maneira mais conveniente a portarem-se perante o curso do processo a fim de obterem a sua efetiva concretização” (TJDFT 2002, p. 13).
Acredito que essa posição ambígua do conciliador se deva ao fato de que, na conciliação praticada entre nós, se misturam a lógica da justiça, típica dos tribunais, e a lógica do consenso, onde se acredita que as partes podem vir a convergir seus pontos de vista em direção a um acordo.
O uso da lógica da justiça pode ser explicado pelo contexto no qual a conciliação surge e é praticada, bem como pela priorização do acordo, que impede o conciliador de focar a relação entre as partes e sua própria participação no processo. Os conciliadores são orientados a não admitir “decisões injustas ou imorais, nem tomadas com má-fé, as quais poderão ser anuladas pelo juiz” (TJDFT 2002, p. 13).
Em relação às questões éticas e morais, o conciliador, portanto, não se coloca pessoalmente, não evidencia que ele – conciliador – tem limites éticos e morais. Ao contrário, ética e moral são tomados como critérios externos pelos quais deve se pautar o conciliador para a avaliação e julgamento da qualidade do acordo pretendido pelas partes.
Dessa forma, o conciliador coloca-se numa posição de tutor das partes, onde admite ou inadmite determinada solução para o conflito. O conciliador, nesse sentido, atua segundo a lógica da justiça.
Ainda que a conciliação se proponha a promover a autocomposição, o conciliador não deve admitir decisão injusta – que o conciliador julgue injusta – segundo a aplicação, ao caso concreto, do “direito da comunidade em que vivem” (TJDFT 2002, p. 13), exatamente como o faz o juiz.
A lógica do consenso, por sua vez, está presente como decorrência do foco no acordo. Uma vez que a conciliação deve evitar o desenvolvimento de ação judicial, deve-se buscar a “composição” acima de tudo. Uma vez que o processo é orientado pela lógica da justiça, do Direito, o acordo deve ser a convergência das partes – ainda que não tão espontânea – para um ponto comum ou para um ponto equidistante entre suas pretensões iniciais.
O conciliador deve promover um acordo que satisfaça as condições de consenso, ainda que para isso ele próprio tenha que “explicitar do que cada uma das partes precisa para que o conflito seja solucionado adequadamente” (TJDFT 2002, p. 13).
Muitas vezes, o consenso é sugerido pelo conciliador, que se pauta por critérios pretensamente objetivos: “O conciliador deve insistir para que o acordo reflita um padrão justo, razoável, como o valor de mercado, a opinião especializada, os costumes ou a lei” (TJDFT 2002, p. 20).
Uma vez que a conciliação está impregnada da lógica da justiça, onde se reconhecem direitos e deveres entre as partes e existe o cuidado para que o acordo seja justo, os benefícios do acordo não são necessariamente mútuos. Ou seja, como forma de se abreviar o desenvolvimento de um litígio judicial, a conciliação pode conduzir à satisfação do direito alegado pela parte autora sob a forma de acordo, não correspondendo à sua definição: “Conciliação significa composição amigável das partes a respeito do pretenso direito alegado perante o juiz ou o conciliador” (TJDFT 2002, p. 26).
Considerando que a justiça é um critério na conciliação e que a decisão judicial é uma ameaça de maiores custos, as partes podem acabar acordando aquela solução que provavelmente seria dada pelo juiz, mas sem os custos de um processo litigioso. Obviamente, nessa hipótese, pode-se considerar que houve benefício mútuo sob o ponto de vista de que existe maior celeridade e menores custos para ambas as partes – ou seja, sob um ponto de vista processual. Entretanto, nem sempre se pode dizer que houve benefícios mútuos quanto ao conflito em si – sob um ponto de vista material –, nem quanto à relação entre as partes. A definição de autonomia, no âmbito da conciliação, nos mostra essa modalidade de benefício mútuo: “Autonomia – Por meio do acordo, as partes abrem mão de eventual direito em favor de um interesse pessoal, notadamente o de ver a lide solucionada da forma que mais lhe seja particularmente interessante” (TJDFT 2002, p. 20).
O conciliador é treinado para dirigir as possibilidades de acordo no sentido da decisão justa que seria proferida pelo juiz: “Naturalmente as partes começam a apresentar propostas sobre o objeto da disputa, mas o conciliador também pode auxiliá-los neste processo, inclusive com referência a decisões judiciais [grifo meu]” (TJDFT 2002, p. 25).
O conciliador, como já deve estar claro, assume posturas diversas no processo de conciliação. Por um lado, busca a imparcialidade, mas o faz acreditando poder ser “neutro” em relação ao conflito. Ou seja, o conciliador procura cercar-se de cuidados para que suas próprias crenças e valores não tenham nenhuma influência sobre o processo. Por outro lado, o conciliador opina, sugere alternativas e limita o desenvolvimento de outras alternativas. Para isso, o conciliador procura servir-se de padrões que acredita serem objetivos. O conciliador não é o guardião do processo, mas o guardião do acordo justo, ou “o advogado da justiça na autocomposição”.
Para a boa execução da função de conciliador é necessário o domínio do ramo do Direito atinente ao conflito, bem como conhecimento prévio do caso que lhe será submetido, além de estudo da jurisprudência. Esses são os recursos de que se serve o conciliador para a garantia de um acordo justo e mutuamente aceitável.
Na conciliação, as partes têm espaços de participação semelhantes, o que o conciliador procura garantir. As partes que aceitam a conciliação cooperam na medida de seu próprio interesse identificado. Uma vez que o contexto em que se propõe a conciliação é jurisdicizado, sendo também jurisdicizado o conflito e a participação das partes, a conciliação ocorrerá conforme as expectativas de ganhos e prejuízos das partes em relação à solução judicial que pretendem e que acreditam poderia ser conseguida.
O conciliador tenta neutralizar as diferenças individuais, uma vez que são vistas como obstáculos ao acordo. Acredita-se que existe um conflito de interesses entre as partes que pode ser objetivamente abordado. O que importa para a construção de um acordo justo não é o problema trazido pelas partes, mas o problema que pode gerar um processo judicial: “É comum que as emoções se misturem com o mérito do problema, razão pela qual o conciliador deve desatrelar o problema substantivo do problema das pessoas. [grifos meus]” (TJDFT 2002, p. 20).
Parece que a conciliação se utiliza de técnicas de negociação – como por exemplo, focar interesses, e não posições – bem como de técnicas de comunicação – como por exemplo o uso de algumas formas de perguntar. Também acredito que se utilizem na conciliação – tal como é conhecida entre nós – técnicas de persuasão.
O contexto em que se desenvolve a conciliação, a postura do conciliador e todos os elementos envolvidos já concorrem para a persuasão das partes. Além disso, referenciais jurisdicionais usados, como a jurisprudência, também são persuasivos. A persuasão pode ser explícita ou sutil, como, por exemplo, na seguinte frase sugerida aos conciliadores: “… na minha experiência, não me lembro de caso em que uma proposta assim tenha dado bons resultados…” (TJDFT 2002, p. 20).
Por todas as características da conciliação, notadamente pela ambiguidade entre a promoção da autocomposição e a promoção da justiça, é que não associo uma base teórica e epistemológica ao trabalho de conciliação realizado entre nós – quer seja uma base teórica científica quer filosófica.
3.2 Mediação
De uma forma geral, a mediação – outra forma de solução de conflito caracterizada como negociação assistida – é um processo confidencial, voluntário e não adversarial de solução de conflitos por meio da participação de um terceiro imparcial – o mediador – que não opina nem decide pelas partes envolvidas no conflito, mas que facilita a comunicação e a negociação entre elas com vistas à solução do conflito.
Nesta seção, baseio-me em Mediare (2001, p. 43) para destacar três diferentes modelos de mediação: a mediação para acordos, assentada nos “quatro princípios de Harvard”; a mediação transformativa e a mediação circular narrativa. Por reconhecer essa última como uma prática sistêmica novo-paradigmática, prefiro chamá-la de mediação sistêmica.
3.2.1 Mediação para Acordos – Modelo de Harvard
Primeiro modelo de mediação a ser estruturado, a mediação para acordos utiliza-se das técnicas da Escola de Negociação de Harvard, resumidas em quatro princípios:
– Discriminar e separar o relacionamento entre as pessoas das questões a serem negociadas;
– Focalizar nos interesses e não nas posições assumidas;
– Criar opções para benefício mútuo;
– Usar critérios objetivos.
O modelo de Harvard visa o acordo e privilegia o foco nos interesses das partes, na crença de que os interesses constroem e sustentam as posições assumidas por elas no conflito. Tal modelo se orienta para as questões – e não para as pessoas – focando a situação presente, sem grandes preocupações com o histórico da relação ou com seu desenvolvimento futuro. Nesse modelo, o acordo não é uma possibilidade, mas a finalidade do processo. O processo pode ser definido como o uso de técnicas que visam à produção de acordos consensuais e mutuamente aceitáveis para as partes, através da definição do problema, análise das opções disponíveis e eleição/decisão.
Esse modelo de Harvard pode ser entendido como mediação, uma vez que se trata de um processo estruturado que aborda os conflitos a partir da noção de autocomposição e tendo presente o princípio da autonomia da vontade das partes. Entretanto, é modelo comprometido – pelo menos a princípio – com o paradigma de ciência tradicional, constituído, segundo Esteves de Vasconcellos (2002), pelos pressupostos de simplicidade, estabilidade e objetividade.
O fato de se deslocar o foco das posições assumidas pelas partes para seus interesses não significa que se passou a focar as relações. Ao contrário, o que se produz é a simplificação e a redução do conflito a interesses estanques e individuais, não conectados às ações da outra parte e às influências do meio. O foco nos interesses é pensado como forma de simplificar o conflito, de encontrar seu “real fundamento” ou se detectar que interesses precisam ser atendidos para que o conflito desapareça.
Acredita-se que as posições assumidas pelas partes em conflito sejam incompatíveis, mas que seus interesses certamente podem ser compatibilizados. Surge – já nesse modelo – a noção de que a mediação promove a lógica do “ganha-ganha”, ao invés da noção de “ganha-perde”. A noção de “ganha-ganha”, na mediação de Harvard, é o produto da negação das diferenças entre as partes, como manifestação dos pressupostos epistemológicos tradicionais da simplicidade e da objetividade. A mediação de Harvard desconsidera a diferença.
A crença (pressuposto epistemológico) na objetividade se manifesta claramente nos princípios de Harvard, que recomendam o uso de critérios objetivos e a separação entre o relacionamento das pessoas e as questões a serem negociadas. A manifestação da subjetividade deve ser desestimulada pelo mediador de Harvard, ao mesmo tempo em que este deve sempre estimular a análise de alternativas de um ponto de vista objetivo.
Apesar de a mediação de Harvard distinguir-se, por exemplo, do litígio judicial e da arbitragem, por ser um processo de abordagem dos conflitos baseado na autonomia da vontade das partes e na autocomposição de acordos mutuamente aceitáveis (“ganha-ganha”), tal modelo orienta-se, a princípio, pelo paradigma de ciência tradicional. Não quero dizer com isso que tal modelo seja ultrapassado, ou que não se deva utilizá-lo. Ao contrário, trata-se de um modelo de mediação útil a situações em que a relação entre as partes não é continuada no tempo, como poderia ser o caso, por exemplo, de um acidente de trânsito. O que quero dizer é que tal modelo, em si mesmo, é limitado do ponto de vista teórico e epistemológico, resultando em um processo mais pobre, menos criativo e com menor potencial transformador das relações humanas. Nesse sentido, a mediação de Harvard apenas sob alguns aspectos pode ser considerada como uma forma verdadeiramente alternativa para a solução de conflitos.
3.2.2 Mediação Transformativa
Um segundo modelo de mediação destacado por Mediare (2001, p. 47) é a mediação transformativa. Tal modelo, nascido do encontro entres as teorias de negociação e de comunicação, deslocou o foco do conflito aos conflitantes, situando o acordo no campo das possibilidades, e não como finalidade do processo.
A mediação transformativa “ergueu-se sobre a proposta de auxiliar as pessoas a reconhecerem, em si mesmas e no outro-adversário, as necessidades, as possibilidades e a capacidade de escolha e de decisão. Aceita-se que tal propósito promove a transformação na relação e viabiliza, como consequência natural, o acordo, ator coadjuvante no processo” (Mediare 2001, p. 44).
O modelo transformativo privilegiaria a transformação da relação e não a obtenção do acordo, sendo um modelo de mediação voltado aos conflitos entre pessoas que se mantém em relação/interação continuada. Tal modelo é orientado para as pessoas, e não para as questões. O mediador busca levar as partes a reconhecerem seu próprio lugar e o lugar do outro na relação e no conflito, com o objetivo de ampliar a capacidade de decisão e escolha de ambos, num processo de “empowerment”.
Na mediação transformativa – ao contrário do que ocorre no modelo de Harvard – as diferenças são reconhecidas e valorizadas. Privilegia-se a escuta da outra parte, na crença de que as negociações surgem da consciência social.
Entretanto, não considero que o modelo de mediação transformativa focalize a relação. Acredito que privilegiar o reconhecimento das próprias necessidades, possibilidades e capacidades, e das necessidades, possibilidades e capacidades do outro não significa necessariamente que se tenha em foco a relação. Se o modelo de Harvard focou os interesses e as questões, ao invés das pessoas, negando a diferença, penso que o modelo transformativo valorizou as diferenças, sem, no entanto, abandonar o foco no indivíduo. Nesse sentido, entendo que a mediação transformativa é um modelo orientado para as pessoas, mas não para as relações.
O modelo transformativo também se mantém preso ao pressuposto epistemológico da objetividade, admitindo o conflito como resultado de visões diferentes de uma mesma realidade objetiva. O fato de negociarmos intersubjetivamente o que percebemos ser real ou adequado não implica que estejamos assumindo que o real ou o adequado somente existam como uma coconstrução nossa. Em outras palavras, o modelo transformativo não pressupõe a coconstrução da realidade no espaço intersubjetivo da linguagem, mas parte da premissa de que diferentes pessoas têm diferentes perspectivas sobre “a” realidade, propondo-se a facilitar o processo dialético que deve se estabelecer para a solução do conflito.
Acredito que essa base teórica dialética – onde se reconhecem diferentes perspectivas sobre “a” realidade – seja o que leva o modelo transformativo a não se orientar ao acordo, aceitando-o apenas como uma consequência natural e desejável do processo de conscientização e “empowerment” das partes.
3.2.3 Mediação Circular Narrativa – Mediação Sistêmica
Mediare (2001, p. 50) apresenta o modelo de mediação circular narrativa, desenvolvido principalmente por Sara Cobb e que incorpora as inovações teóricas e epistemológicas associadas à emergência do novo paradigma da ciência.
Segundo Mediare (2001), o Modelo Circular-Narrativo de Sara Cobb amplia os norteadores teóricos para o exercício da Mediação. Convida-nos a pensar sistemicamente, a considerar a descrição da realidade como construção social na linguagem, a reconhecer que as narrativas trazidas pelas pessoas não são traduções de fatos.
Nesse sentido, a mediação narrativa compreende as propostas de desestabilizar os relatos e alternativas trazidas pelas partes, possibilitando a construção de relatos e alternativas ampliadas, além da construção do acordo. A intervenção do mediador no modelo narrativo se vale de recursos estratégicos que levam as partes à reflexão sobre sua participação no conflito, convidando-as à legitimação das diferenças e à construção de um contexto colaborativo e não-adversarial, onde se ampliam as alternativas para o acordo. Embora se busque o acordo como solução do conflito, o acordo não é o foco principal do mediador, que se caracteriza como guardião e condutor do processo, comprometido primordialmente com o aprimoramento da qualidade da relação entre as partes.
Considero que a mediação circular narrativa se fundamenta nos pressupostos epistemológicos identificados por Esteves de Vasconcellos (2002) como característicos do novo paradigma de ciência, ao mesmo tempo em que pode ser descrita teoricamente como um sistema social onde se preserva uma “relação de interconstituição de segunda ordem” (Esteves-Vasconcellos 2013 ³). Por essa razão, chamarei de mediação sistêmica a essa forma particular de solução de conflitos.
Já distinguimos três espécies de mediação de conflitos: Mediação para Acordos, Mediação Transformativa e Mediação Sistêmica.
Distingo três pontos comuns entre as três espécies de mediação: a voluntariedade, a autocomposição e os benefícios mútuos. A lógica do “ganha-ganha” e o princípio da autonomia da vontade das partes não sofrem – em nenhuma das espécies de mediação – as restrições e condicionamentos que apontamos na conciliação.
Entretanto, distingo importantes diferenças entre essas espécies de mediação. Enquanto a mediação para acordos privilegia técnicas de negociação, com foco no acordo, a mediação transformativa apenas possibilita o acordo, na medida em que foca a posição de cada uma das partes perante sua relação conflituosa. A mediação sistêmica, por sua vez, preocupa-se com a relação entre as partes, e foca o acordo na medida em que a relação entre elas o permita.
Dessa forma, podemos afirmar que a mediação sistêmica trabalha com a “lógica do cuidado” (Cobb 1993), enquanto a mediação transformativa trabalha com a “lógica da conscientização” (ou “empowerment” das partes) e o modelo de Harvard adota a “lógica do acordo”.
Naturalmente, é distinta a posição do mediador em cada um dos modelos. Na mediação para acordos, o mediador procura a neutralidade, com a exclusão de suas posições pessoais, buscando desobstruir a negociação. Na mediação transformativa, a relação entre as partes é abordada a partir das necessidades e interesses de cada uma delas, onde o mediador estimula a reflexão de cada parte sobre sua própria posição. Na mediação sistêmica, o mediador focaliza a relação entre as partes, desobstruindo a comunicação e viabilizando a negociação. O mediador, nesse modelo, convida as partes para novas descrições e narrativas, que ensejem postura colaborativa. O mediador sistêmico é imparcial no sentido de que busca a equidistância entre as partes, procurando legitimar as diferenças o que pode compensar eventual desproporção de poder entre as partes. O mediador sistêmico sabe que suas crenças, valores e experiências passadas participam inevitavelmente de seu trabalho, procurando manter-se consciente de tais questões e recorrendo, inclusive à possível presença de um co-mediador.
Na mediação para acordos – assim como na conciliação – as partes cooperarão na medida de seu próprio interesse. Isso se deve ao fato de que esse modelo se presta às situações onde não existe relação anterior entre as partes, ou ao fato de que esse modelo é governado pela lógica do acordo.
Uma vez que a mediação para acordos não focaliza a relação anterior entre as partes – que em muitos casos inexiste – esse modelo busca neutralizar as diferenças pessoais ou subjetividades, tentando evitar que participem do processo negociador. Por sua vez, os modelos transformativo e sistêmico privilegiam o uso de técnicas de comunicação, já que pretendem mudanças na relação.
3.3 Arbitragem
A arbitragem – que junto com a solução judicial, constitui o conjunto das soluções de conflito caracterizadas pelo julgamento – é uma forma alternativa de solução de conflitos que mantém a essência do procedimento judicial litigioso. A lógica da arbitragem é a lógica da justiça – onde o árbitro aplica a norma ao conflito que lhe é submetido – ou a lógica do merecimento – onde o árbitro decide, por exemplo, segundo critérios de equidade.
Toda a lógica da justiça é preservada na arbitragem: pressupõe-se a existência objetiva de uma verdade, que deve, na medida em que as partes puderem produzir provas, ser trazida para o processo.
O árbitro é um terceiro neutro que profere uma decisão – laudo arbitral – que deve ser acatado pelas partes. Dessa forma – assim como no Judiciário – a decisão de cada “ponto controvertido” beneficia uma das partes em detrimento da outra.
O recurso à arbitragem é voluntário a princípio, ou seja, há voluntariedade no momento em que se opta pela arbitragem para a solução de um conflito presente ou de um conflito provável (cláusula de arbitragem). Entretanto, uma vez constituída a arbitragem, as partes perdem o controle sobre a solução de seu conflito.
As partes participam do processo de maneira formalmente igual. Isso quer dizer que sua participação é regulada por normas que lhes asseguram oportunidades iguais de manifestação, sem que o árbitro se preocupe com a efetiva equivalência de participação entre elas. As partes são adversárias na arbitragem, produzindo provas para a comprovação de seu direito e/ou para a desconstituição ou diminuição do direito da outra parte.
A vantagem da arbitragem em relação à solução do conflito pelo Judiciário está na maior celeridade do processo e na possibilidade inicial de as partes convencionarem normas ou princípios específicos que servirão de baliza ao árbitro, como critérios ou padrões técnicos ou especializados. Sob o ponto de vista das deficiências ou ineficiências do Judiciário, a arbitragem é a forma de solução de conflitos alternativa, por excelência.
Uma vez que a arbitragem não pretende trabalhar a relação entre as partes – ainda que essa relação possa ser relevante – as diferenças individuais são negadas ou simplesmente ignoradas, e não são utilizadas técnicas de negociação ou comunicação.
Por suas características, entendo que a arbitragem tem fundamentação teórica semelhante àquela propiciada ao Direito. As noções subjacentes de sociedade, conflito, justiça são comuns a ambas as formas de solução de conflitos. Obviamente os estudiosos do tema poderão ressaltar as diferenças fundamentais entre tais processos, apontando, por exemplo, para o conceito do Estado enquanto detentor do monopólio da jurisdição. Com certeza, muito já se discutiu sobre pontos como esse. Do ponto de vista a partir do qual me proponho a analisar as formas de solução de conflitos – o da ciência novo paradigmática – não há distinção relevante quanto à fundamentação teórica da arbitragem e do judiciário.
3.4 Judiciário
Ao Poder Judiciário cabe dizer o direito no caso concreto e fazer valer esse direito. O objetivo do Judiciário, como forma de solução de conflitos, é satisfazer ou restaurar um direito. O juiz é um terceiro neutro que conhece as leis – conhece a forma pela qual devem se pautar as relações sociais – e interpreta essas leis para dizer, diante de um caso concreto, se o pleito de uma parte em relação à outra deve ser atendido ou não.
O processo judicial é revestido de todas as seguranças e garantias para que as decisões sejam neutras e justas, para que as partes possam participar do processo de maneira formalmente igual, somente sendo considerado aquilo o que for objetivo. O Judiciário é o exemplo típico da lógica do “ganha-perde”, onde as partes são adversárias.
A parte autora pode decidir submeter seu conflito ao Judiciário, mas, a partir daí, o processo torna-se compulsório, apenando-se a parte que se omitir da prática de algum ato processual. Uma vez que pode haver solução do conflito sem a presença de uma das partes (a revelia), e o juiz, ainda que estejam presentes ambas as partes, não se preocupa com a qualidade de sua participação, podemos afirmar que as participações das partes não são necessariamente equivalentes. A intermediação geralmente obrigatória de advogado torna ainda mais impessoal o processo, limitando ainda mais a participação dos envolvidos no conflito.
Uma vez que imperam os princípios de objetividade e de neutralidade, as diferenças individuais ou subjetividades são negadas ou simplesmente ignoradas, e não há uso de técnicas de comunicação ou de negociação.
A forma judicial de resolver os conflitos se fundamenta nas próprias teorias jurídicas: teorias filosóficas em que se abordam desde a natureza do ser humano e da sociedade até os conceitos de justiça e verdade.
Feitas essas considerações sobre cada uma das formas estruturadas de solução de conflitos mais praticadas entre nós, posso estabelecer um quadro comparativo entre algumas de suas características distintivas.
4 MEDIAÇÃO SISTÊMICA: ALTERNATIVA A QUÊ?
De uma maneira geral, a mediação é enquadrada como uma das formas alternativas de solução de conflitos (ADR`s), que são entendidas como alternativas aos problemas do Judiciário – ou ao problema do “acesso à justiça”. Assim, o enfoque geralmente lançado sobre a mediação é, não apenas um enfoque jurídico, como também um enfoque que parte das questões e dificuldades do Judiciário. A mediação, sob essa perspectiva, não é tratada a partir de sua legitimidade, ou seja, abordada como uma forma estruturada para a solução de conflitos, com desenvolvimento teórico e epistemológico próprios.
Procurei abordar a mediação – bem como outras formas de solução de conflitos – a partir de um ponto de vista científico-epistemológico que levasse em conta os desenvolvimentos de diversas disciplinas científicas, no que, segundo Esteves de Vasconcellos (2002), pode ser entendido como uma mudança de paradigma de toda a ciência. Por essa razão, distingui a mediação sistêmica de todas as outras formas estruturadas de solução de conflitos para afirmar que a mediação sistêmica é uma forma de solução de conflitos alternativa do ponto de vista científico-epistemológico. Em outras palavras, entendo que a mediação sistêmica é uma forma de solução de conflitos cientificamente fundamentada, embasada num paradigma de ciência emergente, e que todas as demais formas de solução de conflitos não o são.
Essa diferença epistemológica se reflete na forma particular como a mediação sistêmica concebe o que seja um conflito – a experiência antagônica de desacordo em um espaço intersubjetivo (Aun 1998) – e o que seja a solução de um conflito – a criação de um novo contexto intersubjetivo. Os pressupostos epistemológicos nos quais se fundamenta a mediação sistêmica são bem distintos daqueles subjacentes ao contexto judicial contencioso, para o qual poderíamos definir, de forma tentativa, a disputa como a oposição entre as partes, resultante da violação de um direito, e a solução como “a entrega a cada um do que é seu”.
A mediação sistêmica é um processo estruturado segundo a “lógica do diálogo e do cuidado”, enquanto a solução de disputas pela arbitragem ou pela via judicial se fundamenta na lógica da justiça. Assim, as formas tradicionais de solução de conflitos supõem a existência de uma justiça ou “solução melhor” a ser obtida, onde o árbitro ou juiz tem o papel de encontrá-la e submetê-la às partes, enquanto, na mediação sistêmica, se supõe a coconstrução de um novo contexto (não pré-determinado) de relação entre as partes, onde o mediador tem o papel de convidá-las à construção desse novo contexto relacional.
Tais diferenças têm consequências para a forma como os sistemas sociais irão funcionar a partir da solução do conflito. A mediação sistêmica é uma forma capaz de favorecer a continuidade da relação entre as partes e a ampliação dos canais de comunicação entre elas, cumprindo um papel preventivo de futuros conflitos.
O sistema que vivenciou a mediação sistêmica bem-sucedida pode ser distinguido como um sistema social que mantém uma “relação de interconstituição de segunda ordem entre seus elementos” (Esteves-Vasconcellos 2013). Ou seja, um sistema em que seus componentes constituem uma rede de conversações em que conversam sobre suas próprias relações e constroem e reconstroem, recursivamente, sua própria forma de funcionamento. Essa organização do sistema pode ser realizada por um número enorme de configurações estruturais distintas, um número muito maior do que se teria para qualquer outra organização que pudesse assumir um sistema social humano.
Em outras palavras, estou dizendo que, sendo a interconstituição de segunda ordem uma manifestação da autonomia de um sistema social – como acredito poder ser distinguido nos sistemas sociais em mediação sistêmica – são muito maiores as possibilidades de que esse sistema possa mudar sua estrutura (seus componentes e as relações concretas entre eles) sem que tal sistema se desintegre.
Isso me remete à definição de ética proposta por Von Foerster (1973). Ele nos propõe pensar o comportamento ético como a atuação do profissional que abra alternativas para o sistema em seu ponto de bifurcação. Assim, no conceito de Von Foerster, seria ética toda decisão humana que beneficiasse a ampliação de perspectivas para o sistema em questão. Se aceitamos essa definição de ética, podemos dizer que a escolha pela mediação sistêmica, nos casos em que ela é possível, é uma escolha eticamente orientada, porque a mediação sistêmica é justamente a forma de solução de conflitos que nos convida à composição de sistemas sociais humanos que, por sua própria autonomia, ampliam exponencialmente suas possibilidades nos pontos de bifurcação, concebidos como os pontos onde emergem os conflitos ou as crises do sistema.
Os sistemas em mediação sistêmica não apenas ampliam os canais de comunicação entre as partes envolvidas, mas também ampliam a capacidade das partes de se comunicarem sobre a qualidade de suas comunicações. Essa capacidade de metacomunicação, desenvolvida nos sistemas em mediação, não apenas os torna independentes em relação ao profissional sistêmico (mediador), como também explica a potencialidade do trabalho de mediação sistêmica – ou melhor, a capacidade do sistema de interconstituição de segunda ordem – de prevenir conflitos.
Uma vez que a mediação sistêmica se realiza com a instalação da coconstrução de um contexto colaborativo entre as partes, potencializando a metacomunicação entre elas e prevenindo conflitos, podemos dizer que a mediação sistêmica é uma alternativa à competição. Na mediação sistêmica bem-sucedida, as partes cooperam na criação de um novo e imprevisível contexto relacional entre elas, enquanto, perante o Judiciário, elas competem por uma solução favorável a si mesmas, sendo completamente diverso o papel do terceiro, em cada uma dessas formas de solução de conflitos. Assim, a mediação sistêmica também é uma alternativa ao Judiciário.
A competição entre as partes em um litígio judicial se faz pela prova do que cada uma delas alega, demonstrando-se que a situação alegada corresponde a uma determinada norma legal que lhe garante aquele pretendido direito. Nisso consiste o Direito. Se não houvesse um conjunto ordenado e articulado de normas, que nos dizem como “devem ser” as relações entre as pessoas e a solução de seus conflitos, não haveria Direito e não haveria solução judicial de conflitos. Pensar a solução de um conflito pela via judicial implica a aplicação de uma norma pré-existente, ou seja, “aplicar o Direito ao caso concreto”. Uma vez que a mediação sistêmica assume como totalmente aberta e indefinida a solução para o conflito a ela submetida, podemos dizer que a mediação sistêmica é uma alternativa ao Direito, uma alternativa ao dever-ser. A solução de um conflito pela mediação sistêmica, ainda que deva ser feita de acordo com a lei – como qualquer outra atividade social – prescinde da lei e do Direito para acontecer. Nesse sentido, a mediação sistêmica não é uma alternativa propriamente jurídica para a solução de conflitos.
Não sendo uma alternativa jurídica, isto é, não pressupondo a existência do Direito como dever-ser e não se processando através do Judiciário, a mediação sistêmica é também uma alternativa à finalidade do Direito, ou seja, uma alternativa à justiça. A mediação sistêmica não pode ter seus resultados avaliados como justos ou injustos, uma vez que não pretende “dar a cada um, o que é seu”.
Se a mediação sistêmica é uma forma de solução de conflitos alternativa ao Direito, é também alternativa ao fundamento do Direito, como forma de solução de conflitos. Qualquer solução para um conflito provida pelo Judiciário tem como garantia de sua efetividade o “uso legítimo da força pelo Estado”. Isso significa que o descumprimento de uma solução judicial, qualquer que seja ela, dá ensejo, em última análise, à privação forçada dos bens do responsável ou à sua prisão. Em outras palavras, o Judiciário como forma de solução de conflitos fundamenta-se na possibilidade do uso – ou no uso efetivo – da força. Uma vez que a mediação sistêmica não é uma forma jurídica de solução de conflitos, não se fundamenta no Direito e não pressupõe a imposição de uma decisão às partes, a mediação sistêmica é também uma alternativa à força.
Dada a posição do mediador sistêmico em relação ao conflito – “posição de não-saber” (Anderson e Goolishian 1993) ou posição de “expert em contextos” (Aun 1998) – e em relação às partes (facilitador, desencadeador) o mediador sistêmico abre mão de qualquer autoridade que poderia ter um terceiro interveniente em um conflito. O mediador não apenas recusa a posição de autoridade em relação à “matéria” do conflito, como recusa a posição de autoridade em relação à participação das partes durante o processo. Nesse sentido, a mediação sistêmica é uma alternativa à autoridade.
Sendo a mediação sistêmica uma forma de solução de conflitos aberta, na qual não se pode prever o desfecho ou a sequência dos acontecimentos que a compõem, essa forma de solução de conflitos é avessa a uma regulamentação estrita de seus procedimentos. Se, para a solução judicial, temos leis processuais, que criam um “dever ser” para toda forma de solução de conflitos, para a mediação sistêmica parece delicado pensar em qualquer regulamentação sobre a matéria. Uma vez que o que pretende o mediador sistêmico é apenas a criação de um sistema que converse sobre um conflito, todas as demais “variáveis” envolvidas não são essenciais. Assim, não são essenciais à mediação sistêmica a duração do processo, as pessoas que nela interveem, a formação básica do mediador, etc… Ainda que seja possível estabelecerem-se regras morais para a prática da mediação – como um “código de ética” – a condução, o desenvolvimento e os limites do processo serão assegurados pelo mediador sistêmico em cada caso concreto, fundamentalmente como implicação de seus pressupostos sistêmicos novo-paradigmáticos, conforme também a sua sensibilidade. Nesse sentido, a mediação sistêmica é uma alternativa aos procedimentos de solução de conflitos regulamentados ou, em outras palavras, a mediação sistêmica é um jogo pobre em regras pré-definidas, e rico em regras coconstruídas.
Se o mediador sistêmico recusa a posição de autoridade e a mediação sistêmica não tem a autoridade ou a força como seu fundamento; se a mediação se propõe como um processo aberto e imprevisível, onde nem o comportamento das partes, nem o do mediador está regulamentado, é natural que a mediação sistêmica caracterize-se pela informalidade. Nada disso implica que a mediação sistêmica não seja um procedimento estruturado para a solução de conflitos. Ainda que o mediador esteja atento ao contexto, à postura, ao tom de voz, ainda que o mediador seja capacitado e treinado, não há fórmulas prontas, não há formas obrigatórias nem rito prescrito. A mediação sistêmica, assim, é uma alternativa ao formalismo. O mediador sistêmico estará atento, para além da forma com que as partes se comunicam, e para além do conteúdo dessas comunicações, à relação entre elas, ao contexto de suas comunicações.
Desta maneira, dispensando fórmulas pré-concebidas, a mediação sistêmica demanda habilidades que ultrapassam em muito o campo da técnica. A mediação sistêmica não se caracteriza pelo uso de determinadas técnicas. A mediação sistêmica é o trabalho desenvolvido pelo mediador sistêmico, aquele profissional social que tem crenças e pressupostos fundamentais novos, capazes de lhe proverem – para além do que lhe poderia assegurar um treinamento no sentido tradicional do termo – recursos emergentes no processo. Sob esse ponto de vista, a mediação sistêmica é uma alternativa ao tecnicismo, no sentido de que o foco central para a mediação sistêmica não está na técnica e de que não é o conhecimento técnico o que poderá garantir o sucesso da mediação.
Se não é apenas a técnica o que propicia uma mediação sistêmica bem-sucedida, também não é o conhecimento jurídico o que o fará. Dadas as diferenças fundamentais entre a mediação sistêmica e as formas de solução de conflitos orientadas pela lógica da justiça, o conhecimento jurídico pode constituir-se, inclusive, em barreira à formação do mediador sistêmico e à consecução bem-sucedida da mediação. A mediação sistêmica irá desestimular o olhar jurídico sobre o conflito. Nesse sentido, a mediação sistêmica é uma alternativa à própria perspectiva jurídica.
Entendo que a mediação sistêmica pode ser explicada por teorias científicas, por exemplo, pela “Teoria Geral dos Sistemas Autônomos” (Esteves-Vasconcellos 2013; 2014) o que não ocorre com as formas de solução de conflitos orientadas pelo Direito ou pela noção de justiça. De uma forma sintética, entendo que a ciência é um dos domínios de conhecimento que buscam explicações para o mundo. O Direito, enquanto domínio de conhecimento, não fornece propriamente explicações sobre o mundo. De forma diversa, o Direito se fundamenta em explicações e teorias filosóficas para a produção e operação do dever-ser. Nesse sentido, a mediação sistêmica é também uma alternativa à filosofia. Se nós dependíamos da filosofia para estruturar nossas formas de solução de conflitos, porque solucioná-los implicava um conhecimento filosófico – o conhecimento da justiça –, agora dispomos de uma forma de solução de conflitos que depende de conhecimentos da ciência – o conhecimento sobre como somos naturalmente constituídos como seres vivos e sobre os sistemas sociais linguísticos que naturalmente constituímos, como sintetizado por Esteves de Vasconcellos (2010a).
Nesse mesmo sentido, podemos também afirmar que a mediação sistêmica representa uma alternativa à disciplinaridade. A mediação sistêmica surge da revolução epistemológica que ultrapassa as fronteiras entre as disciplinas científicas tradicionais, podendo ser uma atividade transdisciplinar, mais uma dentre inúmeras práticas sistêmicas desenvolvidas por profissionais que assumiram uma visão de mundo novo-paradigmática, como a Terapia Familiar Sistêmica e as diversas aplicações da Metodologia de Atendimento Sistêmico (Esteves de Vasconcellos 2010b).
De fato, a mediação sistêmica é uma forma de definição, manejo, solução e prevenção de conflitos, implicação do novo paradigma de ciência, uma alternativa ao paradigma de ciência tradicional. Assim, a mediação sistêmica é uma alternativa à simplicidade com que geralmente são “diagnosticados”, tratados e solucionados nossos conflitos. Da mesma forma, a mediação sistêmica é uma alternativa à estabilidade pressuposta nas relações conflituosas e na estabilidade que se acredita dificultar as mudanças pretendidas. Mas, principalmente, a mediação sistêmica é uma alternativa à objetividade, à crença na existência de uma realidade independente do Observador, uma alternativa à impessoalidade com que se nos sugerem tratar os conflitos.
Se praticamos a mediação sistêmica, sabemos que o conflito – como qualquer outro “dado da realidade” – depende das distinções que fazemos como observadores, e da forma como recursivamente nossas distinções se entrelaçam às distinções daqueles com quem conversamos. Assim, acredito que a solução de um conflito é, ao mesmo tempo, uma mudança que acontece em nossa linguagem, em nossas relações e em nós mesmos. E essa forma de solucionar os conflitos já não me parece assim tão alternativa…
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¹ Texto originalmente elaborado pelo autor, como resumo de sua Monografia Mediação de Conflitos: Epistemologia, Teoria e Tecnologia, para obtenção do título de Bacharel em Direito, Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais do UNICEUB, Brasília, 2003. Revisado pelo autor em 2019, no que se refere aos aspectos teóricos e epistemológicos.
² Graduado em Relações Internacionais, PUC-Minas, Belo Horizonte (Esteves-Vasconcellos 2000). Bacharel em Direito, UNICEUB, Brasília (Esteves-Vasconcellos 2003). Autor do livro A Nova Teoria Geral dos Sistemas. Dos sistemas autopoiéticos aos sistemas sociais (Esteves-Vasconcellos 2013). Autor do artigo Não Ensine a Pescar! Sobre a fundamentação teórica das práticas sistêmicas (Esteves-Vasconcellos 2014). mateusev@hotmail.com.
³ Para a noção de interconstituição de segunda ordem, cf.: ESTEVES-VASCONCELLOS, Mateus. A Nova Teoria Geral dos Sistemas. Dos sistemas autopoiéticos aos sistemas sociais. São Paulo: e-book, Livraria Cultura / Kobo Books, 2013.